Thaís Jardim
quarta-feira, abril 30, 2003
 
Histórias do Coração

Eu gritei, antecipando o acidente.
E quando ele acelerou,
coração inconseqüente,
eu te soube inevitável.
Então, fechei os olhos
e me entreguei ao desastre.
Sou culpada. Eu deixei ele bater por ti.
***
Ardente, carente, descrente, demente.
Socorro!
Meu coração é bipolar.
***
Cansado de ser marionete,
meu coração desertor
prefere parar de bater,
prefere me deixar morrer.








 
domingo, abril 27, 2003
  Gatos
Eles chegaram ao loft dele com uma garrafa de vinho tinto, comprada no caminho entre a Recoleta e San Telmo. Tinham passado parte do dia caminhando e outra parte, bebendo nos cafés da Recoleta. Ele, enquanto isso, tentava arrumar a casa e a vida, organizar as coisas.
Durante anos ele foi mudando uma coisa aqui, outra ali, e finalmente o loft ficou como ele imaginava. Ou quase. À direita da porta de entrada, a cozinha estava razoavelmente organizada, agora que ele tinha lavado e guardado todos os copos e garrafas de vinho e cerveja, resquícios de uma festa da qual ele nem lembra direito. Festa improvisada, aliás. A noite trance em Palermo Viejo terminou por volta das 6 da manhã. Os amigos já tinham ido, vencidos pela bebida e pelo cansaço, mas ele resistiu até o final. Tomou um ecstasy, ficou dançando com estranhos e, quando se deu conta, estava convidando essas pessoas para um after-hours no loft. Ficaram lá até quase meio-dia e depois foram embora, deixando a bagunça para trás.
Antes de eliminar todas as paredes possíveis, aquele apartamento era igual ao dos outros vizinhos, igual ao daquela gente que se conforma em viver uma vidinha medíocre e convencional. Pessoas que fazem da vida a sua prisão. Mas ele, ele gosta de espaço, precisa se sentir livre. Uma das poucas paredes que restou da construção original foi a do corredor que leva ao banheiro. Banheiro de homem. A tábua da patente solta sobre o bidê. As paredes e o chão pintados de cinza-escuro. A banheira também, mas com alguns respingos de tinta laranja, proposital e calculadamente espirrados como se aquele fosse o banheiro do Pollock. A sala se divide em dois ambientes. No da esquerda, duas redes, almofadas pelo chão e um pequeno sofá, sobre o qual ainda repousava uma meia suja que havia escapado da faxina. Se eles procurassem bem, talvez encontrassem o outro par daquela meia debaixo de um dos móveis. No canto da sala, uma escada. Ele aproveitou o pé-direito alto para fazer um quarto suspenso sobre aquela parte da sala. Ali, com uma visão geral de quase todo o loft, ele se sente Deus. Mas os amigos não chegaram a subir até lá. A escada que leva ao quarto tem acesso restrito a ele e a eventuais convidadas, mulheres livres e dispostas a uma noite (ou um dia) de prazer, sem maiores compromissos, porque afinal, ele tem um coração cigano. No outro ambiente da sala, um móvel para o computador e uma cadeira. Quando não está no set, trabalhando na produção de mais um filme, é ali que ele passa a maior parte do tempo. Um pouco adiante, uma escada circular leva a outro ambiente. A posição dessa outra peça faz com que ela fique bem mais exposta aos olhos curiosos dos amigos. O que mais chama a atenção é a continuação da escada circular até o teto. Uma escada que não leva a lugar nenhum. Starway to Heaven?
- Aquela escada é só decoração? - pergunta o inglês.
- Não. Vamos pra lá. - ele responde, já pegando a garrafa de vinho, o aparelho de som e alguns CDs que estavam na volta.
Ela segue os outros dois sem dizer uma palavra. No caminho, pega uma das inúmeras velas distribuídas estrategicamente entre os degraus da escada. Enquanto os dois conversam animadamente, ela pensa sobre aquele cenário. Mulheres são assim, sempre mais românticas. Ele, com sua experiência em produção, soube criar o cenário ideal para a sedução. A iluminação do apartamento é perfeita e ela até consegue imaginar o impacto que deve causar a visão daquela escada quando todas as velas estão acesas. Poucos são os homens com essa sensibilidade. Normalmente, as mulheres é que se esforçam para criar um clima de romance em toda e qualquer situação. Instintos animais, a fêmea tentando seduzir o macho. Até ela, que é totalmente avessa aos jogos de sedução, já se pegou planejando aquela noite inesquecível, que mesmo depois de terminado o relacionamento ainda assombrará as lembranças daquele homem. Aquela noite que, na solidão de sua velhice (se chegar até lá), ela recordará com carinho, tendo a certeza de que sim, ela soube aproveitar a vida, ela foi feliz.
Ele gira uma manivela e um sistema improvisado de cabos e roldanas abre a clarabóia. Os três chegam ao topo da escada e ele avisa para terem cuidado com as telhas soltas. Próximas à clarabóia estão uma mesa e três cadeiras. Eles se acomodam. Ela serve o vinho, enquanto um deles acende um cachimbo de maconha e o outro faz a seleção musical. Soulwax. Ao redor, apenas os telhados das casas dos vizinhos, por onde vagueiam gatos vagabundos. O cachimbo passa entre eles. Mais uma taça de vinho. Nos prédios mais altos, as janelas são como telas mostrando trailers da vida de outras pessoas. Pequenas cenas de cotidiano.
- Nós parecemos esses gatos vagabundos. - um deles comenta, as pupilas dilatadas perdidas na fronteira entre o sonho e a realidade.
Ela sorri. O corpo, agora, incapaz de sentir.
Um argentino, um inglês e uma brasileira. Três amigos conversando e bebendo em um lugar improvável. Coisas simples da vida. Momento perfeito!

San Telmo, pela lente de Susana Mulé.
 
sexta-feira, abril 25, 2003
 
Adorei, pia Rafael. Thanx! 
  "Não dou bola para o significado dos sonhos. Se a vida em si não significa nada, não posso exigir sentido da geografia e da história, que, sem pedir licença, me visitam a cada noite."
(Carlos Heitor Cony, FSP, 24 de abril de 2003)

Noite após noite após noite. Esses meus fantasmas ainda querem me assombrar.
Mal sabem eles que a minha descrença é um enorme incinerador.
Tenho a coragem daqueles que não têm nada a perder.
Sou atéia de tudo. Sou atéia até do amor. 
quarta-feira, abril 23, 2003
  Crônica de uma morte anunciada
Foi como a Crônica de uma morte anunciada. Um amor que já nasceu morto, condenado a nunca ser. Quando aquele beijo finalmente aconteceu, eu quis desesperadamente ter um controle remoto que dominasse a vida. Um único beijo, descoberta e despedida. A vida não tem teclas pause e rec. Como fazer para parar o tempo? Como ter o gosto dele gravado em mim? Mas o momento passou, porque é da natureza dele ser efêmero. E aos poucos, também a lembrança vai perdendo a nitidez. Já não sei mais como tudo aconteceu. E será que realmente aconteceu? 
quarta-feira, abril 16, 2003
  Mi Buenos Aires!
Palermo, Recoleta, San Telmo.
Vou tomar um vinho, dançar um tango.
E quando eu te deixar,
chora por mim, Argentina,
que eu também vou chorar por ti.

(estou indo para Buenos Aires... Boa Páscoa a todos!) 
  Insaciável
Quero férias dessas férias que não são férias.
Estou cansada.
Quero parar a vida por algumas horas.
Não pensar em nada, não ter sonhos.
Morrer...
E depois, quero ter tudo outra vez.
Trabalho, amor, dinheiro, viagens, festas.
Quero tempo e não quero perder tempo.
Viver...

 
domingo, abril 13, 2003
  Quebra-cabeça de vida,
com pedaços desencontrados.
Se é impossível te completar,
então vou virar a mesa,
vou ignorar tuas peças,
vou recomeçar.

 
sexta-feira, abril 11, 2003
  Lista de espera. Sala de espera.
Coração à espera.

(A waiting list, a waiting room, a waiting heart)

As traduções livres de hoje são para os amigos que passam por aqui sem nunca entender o sentido dessa combinação de palavras.To y'all, my kisses and misses. 
  Ausências
... e com lágrimas, ela achava que conseguiria encher aquele vazio.
Eles se foram. E cada partida é uma morte.

(... and with her tears, she thought she could fill that emptiness.
They are gone. And every and each departure is a death.) 
quinta-feira, abril 10, 2003
 
(Lu e eu, flagradas na festa de inauguração da Croco pelo fotógrafo do Qual é a boa)
 
segunda-feira, abril 07, 2003
  Paradoxos.
Eu guardo em mim todas as lágrimas. As do mundo e as minhas.
E eu guardo em mim todas as futilidades. As do mundo e as minhas.
Fico triste, revoltada, deprimida.
E depois, saio pra dançar.
Vou pro bar, dou risada, enlouqueço.
E depois?
E depois, esqueço.


Eu, fazendo pose para uma entidade-fotógrafa do Ridículos na Foto. Clique na imagem para entrar no site deles! Aproveite para tomar uma vodka com guaraná, olhar a 2nd moon, arder por causa de uma verdadeira chilli girl... enfim, conhecer a turma de outros blogs de Porto Alegre. 
sábado, abril 05, 2003
  Uma dor forte, uma dor aguda. E quando acordou, estava no quarto em Houston. A porta espelhada do armário semi-aberta, deixando à mostra a coleção de ternos Hugo Boss. O poster da Juliet Binoche ao lado da enorme bandeira do Brasil. A director's chair e, sobre ela, uma pilha de roupas. Roupas dele e roupas dela. Simbiose. Estava tudo lá, menos ele. Ele não estava lá. E no íntimo, ela também sabia que ao abrir os olhos, Houston seria apenas uma imagem pendurada na parede do quarto. Uma dor forte, aguda e insuportável. Ela levantou e foi preparar o café. E enquanto colocava a mug da Dean & Deluca no microondas, para esquentar o Nescafé com leite, sentia como se estivesse em outra cozinha. O cheiro, até mesmo o barulho da máquina passando o café. A disposição dos móveis. Tudo tão vivo na sua cabeça que ela chegou a pensar que tivesse se dividido em duas. Duas vidas. Mas logo veio o apito do microondas e as lembranças voltaram a se esconder dentro dela. Tomou o café na cama. Houston era apenas uma imagem pendurada na parede. E a dor estava passando. 
sexta-feira, abril 04, 2003
  Frio, chuva e céu azul. Incrivelmente azul. Como se fosse uma esperança. Como se fosse um aviso de que as coisas vão melhorar.
Ela esquece do trabalho e fica distraidamente olhando pela janela. Vontade de largar tudo e sair correndo, braços abertos abraçando o vento. Vontade de se perder. O telefone toca e a desperta do transe. Ela responde mecanicamente. Os colegas mergulhados em seus trabalhos chatos e burocráticos. Ao menos, a mesa dela está cheia de projetos interessantes. Mesa cheia. É verdade. Ela olha para as pilhas de papéis e começa a trabalhar em um dos projetos. Frio, chuva e céu azul. Incrivelmente azul. Como se fosse uma esperança. 
terça-feira, abril 01, 2003
  Outras guerras



E essa guerra eu lutei sozinha,
sem ninguém pra me defender.
E essa guerra não foi notícia,
não apareceu na TV.
E nessa guerra a minha vitória
é também a minha derrota.
Sobreviver. 
TEXTO DA SEMANA
Um texto, uma poesia, a letra de uma música. Os outros me marcam com palavras. Palavras registradas. Aqui.

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