Thaís Jardim
sábado, maio 31, 2003
  Série 12 de Junho
Eu nunca soube terminar histórias.
Então, ensaiei bem o meu texto.
Manhã de sol. Baixei a cabeça e fiquei muda.
Eu nunca soube terminar histórias, mas ele entendeu o silêncio.
Rompeu minhas algemas e saiu de cena sem nenhum aplauso.
Foi então que eu aprendi o que é amor.

"Sim, vai e diz
Diz assim
Que eu chorei
Que eu morri
De arrependimento
Que o meu desalento
Já não tem mais fim
Vai e diz
Diz assim
Como sou
Infeliz
Diz que estou sozinho
E sem saber de mim"

(trecho de Desalento, Chico Buarque e Vinicius de Moraes)

Ao Chico Buarque, pela poesia, pela música, pela Construção, "e pelo grito demente que nos ajuda a fugir"
 
quarta-feira, maio 28, 2003
  Os sentimentos morreram.
As idéias desertaram.
E até as palavras, sempre tão insistentes,
sempre tão intensas e constantes,
fizeram as malas e foram embora.

"Quando olhaste bem nos olhos meus
E o teu olhar era de adeus
Juro que não acreditei."

(Atrás da Porta, Chico Buarque e Francis Hime)

Ao Leo, que anda com olhar de adeus.
 
domingo, maio 25, 2003
  Guardanapos

Se sair da vida de alguém é como morrer,
então estou morta.
Infinitamente morta.
Irremediavelmente morta.
* * *
Saudades, fantasmas que povoam esse meu universo vazio.
 
sexta-feira, maio 23, 2003
 
Foto gentilmente cedida por meu amigo Christoph Wirz. Thanx, Chris!

Cuidado, rapaz.
Você está prestes a entrar em uma zona perigosa.
Aqui não é lugar para aventureiros descuidados.
Há sempre o risco de uma avalanche.
E o vento frio da indiferença paralisa o corpo e gangrena a alma.
Então cuidado, rapaz, muito cuidado.
Pense bem antes de entrar na minha vida. 
quarta-feira, maio 21, 2003
  "Que não seja imortal, posto que é chama
Mas que seja infinito enquanto dure"

(Vinícius de Moraes)

Há sempre muitos corpos no teu campo gravitacional. Tua sina é ser sol.
Como um astrônomo, eu te observo à distância.
Talvez um dia, colisão cataclísmica de um corpo fora de órbita, eu também me jogue em teus braços.


Imagem de Solar System Live.
Também recomendo o Solar System Simulator da NASA
 
segunda-feira, maio 19, 2003
  A correnteza carrega algas, troncos e um tênis velho.
Já alheia ao barco e às pessoas ao redor,
eu mergulho e também me deixo levar.
Nas águas turvas desse rio poluído, a vida me afoga.


Rio Guaíba, em foto de Valery Pugatch.

"No coração do coração,
No seu ventrículo esquerdo
Instala-se a angústia
No sentido mais estrito."

(Bento Prado Jr., Caderno Mais!, 18/05/03)

 
sexta-feira, maio 16, 2003
 
Imagem de Art Gallery.

Eclipse
Apagaram-se as luzes.
O sol tirou a lua pra dançar.
E na distração do mundo,
eu me eclipsei.
 
terça-feira, maio 13, 2003
  Carta
Não interessa como ou quando, mas um dia, nós nos conhecemos. Tu tinhas a cor amarelo-ocre de uma imagem esquecida do passado. Naquela época, a tua sentença já estava decretada. E eu não te entendia. Eu jamais te entendi.
Acendeste uma vela para cada santo, acreditaste em todas as religiões e em todos os milagres. E nos meus olhos descrentes, buscaste encontrar fé e esperança. Mas eu ainda não te entendia. Eu jamais te entendi.
Um dia me pediste o conforto de um amor sem compromisso. Querias só uma aventura. Querias sentir tudo o que para nós é a essência da vida. Mas eu te mandei embora porque eu não te entendia. Eu jamais te entendi.
A tua partida foi triste. Um último abraço, um último olhar. A minha decepção fundida no teu desalento. Adeus, meu amigo, adeus.
A tua partida foi triste. Nenhum abraço, nenhum olhar. O meu desespero agarrado à tua indiferença. Hoje eu te entendo, mas é inútil. Hoje já é muito tarde.
A procissão segue teu corpo. Eu permaneço imóvel. Adeus, amigo, adeus.

"A dreaded sunny day,
so I meet you at the cemetery gates."

(Cemetery Gates, The Smiths)
 
domingo, maio 11, 2003
  "Catch my fall, catch my fall."
(Catch my fall, Billy Idol)

"And she used to fall down a lot.
That girl was always falling
again and again."

(Catch, The Cure)

Beijos em bocas de homens sem nome e sem destino.
Bocas que passam,
frustrante e infinita busca por prazeres insaciáveis.
Mais uma dose e ela dança.
Ela dança.
Maquiagem borrada, resquícios de fim de noite.
Insatisfação eterna.
Estrela decadente.


Imagem de Cirque-electrique. 
quinta-feira, maio 08, 2003
  Entrou no banheiro e cumprimentou as duas moças da limpeza, que conversavam na porta.
- Oi, tudo bem?
As duas retribuíram com um sorriso meio sem graça e ela logo percebeu a estupidez do cumprimento. Será que um condenado, em seus últimos minutos de vida, acha que está tudo bem com ele? Terceirização dos serviços de manutenção e limpeza, 300 funcionários expondo suas vidas despedaçadas pelos corredores da empresa, seguindo como mortos-vivos. 300 vidas sem rumo, sina dos que ganham menos e precisam mais. Ela fala dois idiomas, tem um diploma universitário e duas especializações, já viveu no exterior. A senhora com dentes podres e três filhos pra criar não terminou o ensino primário. A senhora que todos os dias chega sorrindo para lavar o chão que eles pisam e tirar o pó das mesas e dos livros, hoje, chegará quieta, e esconderá sua dor e suas lágrimas, e sairá com a cabeça baixa e um seguro-desemprego.
E ela continuará na empresa, e se esquecerá dessa senhora, assim como já esqueceu de tantas outras. Ela examinará currículos de pessoas que foram demitidas há dois anos e ainda estão buscando uma oportunidade de voltar ao mercado de trabalho. Ela olhará para aqueles currículos e pensará que aquilo não é uma instituição de caridade, e que ela precisa escolher o melhor profissional para a função. Ela acabará selecionando aquele que mais parece a sua própria imagem refletida no espelho.
Milhares de currículos, esperanças suspensas.
300 funcionários, atestado de óbito assinado.
Ela também sofre. Ela não gosta de ter a esperança e o destino dos outros em suas mãos. Ela não gosta de brincar de Deus.
 
terça-feira, maio 06, 2003
 
Imagem de Mantruc.

"I think I know enough of hate
to say that for destruction ice
Is also great
And would suffice"

(Fire and Ice, Robert Frost)

Era uma noite qualquer de inverno em Porto Alegre e ele sentia o frio penetrar em sua carne, carícias de uma lâmina afiada. Seu nome? Ele nunca soube. E nem sua idade. Poderia ter 13 ou 15 anos. Talvez mais, ou talvez menos. Como saber? Na rua, os meninos não têm idade. Na rua, todos são iguais: invisíveis e sem identidade, os infelizes que ainda morrem de fome e de frio, cães sarnentos que a sociedade evita e a carrocinha sacrifica.
Ele estava encolhido em um canto escuro, próximo à entrada de um prédio. O frio e a fome não o deixavam dormir. O moleton furado e a calça de abrigo não eram agasalhos suficientes para o frio que estava fazendo, e ele não conseguia lembrar quando tinha comido alguma coisa que não fosse um pedaço de pão ou sobras de comida jogadas no lixo.
Era tarde, mas ele não saberia dizer o horário exato. Talvez já fosse meia-noite quando aquele grupo de três garotas e dois rapazes chegou. Estacionaram o carro a poucos metros dele, colocaram o som embaixo do banco e os casacos no porta-malas.
- Eu vou morrer de frio! - reclamou uma das meninas.
- Ah, eu também tô só com essa blusa fina e transparente, mas o importante é o visual. Além disso, lá dentro vai estar quente e esse bar não tem chapelaria. Imagina! Ficar segurando o casaco o tempo todo... - enquanto respondia, a mais alta das três amigas se abaixava para dar uma última olhada no espelho retrovisor e ver se a maquiagem estava em ordem, se não tinha mancha de batom no dente.
- É, vamos dançar! - gritou um dos rapazes, já puxando a motorista pela mão. Ela se certificou de que todas as portas e janelas estavam fechadas e, então, se deixou levar:
- Sim, vamos dançar e beber. Beber muito! A gente chega lá e já pede uma rodada de vodka, pra aquecer.
- E se vocês ainda estiverem com frio, podem contar com o meu calor humano. - o outro amigo sorriu e, com um olhar malicioso, correu para abraçar as garotas.
Foi assim, conversando animadamente, que passaram por ele sem o notar. Se pudesse ouvir os comentários que se seguiram, ele saberia que apesar da aparente indiferença, os amigos tinham percebido o seu corpo miúdo, acuado em um canto da calçada.
- Vocês viram aquela criança? Se ficar aí fora, vai acabar morrendo de frio!
- Ah, esquece isso. A vida seria insuportável se a gente fosse ficar com pena de cada mendigo que vê na rua. Vamos pra festa, vamos nos divertir!
- E se a gente desse uma esmola, deixasse dinheiro pra ele tomar um café, ao menos?
- Esse daí? Na certa ele tem uma mãe alcólatra, que vai pegar o dinheiro e comprar cachaça. E tu não viste a campanha na TV? É por causa das esmolas que a gente dá com a melhor das intenções que os pais seguem deixando essas crianças na rua, ao invés de mandá-las pra escola.
- É, pode ser. Vocês têm razão, vamos pra festa!
Foi bem mais tarde que chegaram os dois rapazes, um pouco mais velhos do que ele, ou talvez não. Eles abriram o carro e levaram o som. Foi tudo muito rápido. Tão rápido que ele demorou um pouco a entender o que estava acontecendo, o frio dominando o seu corpo e congelando seu pensamento.
- Aí, mano. Essa é pra ti. E boca fechada, hein!
Eles jogaram uma embalagem de iogurte na sua direção e saíram correndo, deixando o carro aberto. Ele não hesitou. Aproximou o pote do rosto e respirou fundo. Estava frio, a porta do carro aberta. Deitou no banco de trás e se entregou ao efeito da cola de sapateiro.
Acordou com berros incompreensíveis e mãos sacudindo seu corpo.
- Cadê o som, cara? Fala logo! Eu vou chamar a polícia!
Todos olhando pra ele. Olhar de acusação, olhar de gelo, tão frio quanto a noite lá fora. Ele tremeu.
A dona do carro gritando, histérica:
- E pensar que eu tive pena dele! São todos uns marginais, todos uns marginais... Tira ele do meu carro! Tira do meu carro! Que nojo, sente o fedor. Acho que esse pivete nunca tomou banho. Como é que eu vou tirar esse cheiro horrível do carro?
- Tira ele daqui! Tira ele daqui! - ela ficava repetindo, aos gritos.
Os gritos ecoando em sua cabeça.
- Esse moleque tá chapado, meu! Vamos tirar ele do carro.
Ele pensou no frio lá fora e começou a chorar. Ele não queria sair dali. Se agarrou em um dos bancos e gritou. Era um grito desesperado, era um pedido de socorro.
- Eu vou chamar a polícia e eles vão arrebentar esse pivete.
- Não, deixa assim. Tá na cara que ele não roubou nada. Vamos tirar ele do carro e pronto.
- Sai do meu carro! Sai do meu carro!
Sentiu o impacto do soco e não resistiu mais. Seu corpo foi atirado ao chão com violência. Ficou ali, inerte, com lágrimas nos olhos, sangue na boca, e um sentimento de raiva e revolta que não o abandonariam jamais.

Esse texto habita o mundo que há entre o real e o imaginário. Foi inspirado pelo comentário do Paulinho: "você me lembra Augusto dos Anjos".

VERSOS ÍNTIMOS
- Augusto dos Anjos
Vês?! Ninguém assistiu ao formidável
Enterro de tua última quimera.
Sómente a Ingratidão — esta pantera —
Foi tua companheira inseparável!
Acostuma-te à lama que te espera!
O Homem, que, nesta terra miserável,
Mora, entre feras, sente inevitável
Necessidade de também ser fera.
Toma um fósforo. Acende teu cigarro!
O beijo, amigo, é a véspera do escarro,
A mão que afaga é a mesma que apedreja.
Se a alguém causa inda pena a tua chaga,
Apedreja essa mão vil que te afaga,
Escarra nessa boca que te beija! 
sábado, maio 03, 2003
  Lobotomia


Com o rosto ainda úmido
de lágrimas que nunca secam,
cremei todas as coisas
que tivemos em comum.
Teu funeral simbólico,
meu rito de passagem.
Destruí a casa e evitei nossos amigos.
Só não consegui apagar as lembranças,
essas marcas profundas
que são os restos de ti.
E nem uma lobotomia me fará esquecer
o maldito passado que cravaste em mim.


"Porque o amor é a coisa mais triste
quando se desfaz.
O amor é a coisa mais triste
quando se desfaz."

Vinícius de Moraes / Tom Jobim 
sexta-feira, maio 02, 2003
  Bem-me-quer, mal-me-quer.
Minha sina é seguir sozinha,
incapaz de amar.
É que de tanto brincar de inconstância,
de querer e desquerer,
ultrapassei minha quota.
Bem-me-quer, mal-me-quer.
Tanto faz... 
TEXTO DA SEMANA
Um texto, uma poesia, a letra de uma música. Os outros me marcam com palavras. Palavras registradas. Aqui.

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